A responsabilidade do Estado sobre os reflexos da quarentena

Diagnóstico tributário
23 de abril de 2020

A cada dia um novo capítulo é escrito a respeito da pandemia do vírus COVID-19. Até quando permaneceremos convivendo com tantas incertezas?

Dentre as medidas restritivas adotadas na tentativa de diminuir a velocidade da transmissão do vírus e postergar a ocorrência do pico da doença e possível colapso do sistema de saúde atual, o isolamento social amplo, tem sido a medida eleita pelos Estados e Municípios como o mais adequado para um controle sistemático.

Como forma de ampliar as diretrizes estabelecidas pelo governo federal, (Lei 13.979/2020 e Portaria 356 de 11.03.2020) Estados e Municípios editaram normas mais drásticas sobre circulação de pessoas e funcionamento de atividades econômicas, com autonomia assegurada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A exemplo disso, o Estado de Santa Catarina, através de Decretos, suspendeu as atividades e os serviços privados, restaurantes, shopping centers, comércio em geral, pelo período de 26 dias (1° Decreto nº 515, 17.03.2020) mantendo tão somente as atividades essenciais, serviços médicos e hospitalares, de segurança pública, de defesa nacional e civil, atividades de captação e distribuição de água e de geração e transmissão de energia elétrica entre outras definidas no Decreto Federal n° 10.282 vigente na época.

A restrição de atividades e separação de pessoas definidos pelo Art. 2º, inc. II da Lei 13.979/2020 como “quarentena”, gerou muita discordância e até protestos do setor privado. Porém, vivenciamos situação atípica e medidas normais certamente se mostrariam ineficazes. O atual cenário requer uma responsabilidade compartilhada em atenção à solidariedade e em favor do bem coletivo.

Mas, as restrições são legítimas desde que proporcionais e temporárias. A medida de quarentena deveria servir de auxílio ao sistema de saúde pública, proporcionando tempo para que este organize o atendimento essencial com a compra de leitos, respiradores, testes, equipamentos de proteção e até ampliação da equipe de saúde competente. Período suficiente para contribuir com o achatamento da curva epidemiológica mas, comprometido na organização do sistema, de modo que possibilite a manutenção dos empregos e o reestabelecimento da economia.

Temos observado que, mesmo após manter o comércio fechado e impedido a rotação normal do setor produtivo por 15 dias ou mais, alguns gestores da administração pública não descartam a possibilidade de novo fechamento.

Sem desprezar a nobre intenção de preservar vidas, indispensável que se faça um contraponto às medidas e suas consequências. É de basilar importância que tratemos a pandemia com relevância, sobretudo, seguindo orientações de outros países que, aparentemente, nos revelam melhor resultado neste curto espaço de tempo de convivência com o novo coronavírus.

Contudo, o sistema de saúde é apenas uma ponta sujeita a erupção se não contida a tempo e modo adequados. Os reflexos das medidas de enfrentamento do vírus tocam amargamente em todos os setores, da educação, da economia, da segurança pública, desdobrando-se em desemprego, aumento da criminalidade e erradicação da pobreza.

É preciso entender que, priorizar a saúde é acima de tudo, alimentar bem este setor financeiramente e para isso, manter as atividades econômicas operando é essencial nesse planejamento.

Enquanto a população é isolada visando a proteção coletiva, recua da própria autonomia e tem cerceados outros direitos sociais ressalvados pela Constituição Federal, “educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazera segurança… (art. 6° CF/88), direitos fundamentais como o de livre locomoção e de propriedade (artigo , incisos XV e XXII, da CF/88), bem como em relação ao direito de livre iniciativa esculpido no artigo 170 do mesmo diploma, que também prestigia a propriedade privada e a busca do pleno emprego.

A melhor solução para o combate à erradicação do vírus pode ser o isolamento social, embora encontremos outras correntes que divergem no tema, a certeza somente virá com o tempo, nos competindo o ajuste ao formato que se apresenta até que a ciência nos preste suas conclusões.

Sobrevirão os resultados dos países como a Suécia onde o governo não aderiu ao isolamento social como medida de enfrentamento ao vírus, demonstrando inclusive que tais medidas estão vinculadas a escolha da gestão, do “politicamente correto”, com a melhor aceitação popular.

No entanto, é da administração pública a responsabilidade de melhor gerir o Estado. A escolha eleita precisa ser a mais benéfica aos cidadãos. Estes, são governados e respeitam medidas restritivas impostas, mesmo em conflito com seus direitos sociais, na expectativa de bons resultados.

O trabalho compartilhado entre a sociedade e a administração pública é fundamental na solução deste desafio mas, o esforço das partes deve ser proporcional entre si.

Os empresários, suspenderam suas atividades e sucumbem com os resultados da paralisação por um bem maior. Ao Estado, cabe otimizar este tempo e apresentar estratégias de contenção do vírus e atendimento aos casos que necessitarem de cuidados hospitalares, em equivalência de esforços.

Entendemos que, no período de isolamento social experimentado o gestor público deveria ter preparado as condições essenciais e extras possíveis para o sistema de saúde, proporcionando um atendimento adequado aos pacientes habituais e aos contaminados pelo novo vírus.

Por outro lado, também é de conhecimento público que problemas no atendimento à saúde neste país preexistem à pandemia e a responsabilidade sobre este serviço não é do cidadão mas da administração pública (art. 196 CF/88).

A interferência do Estado na autonomia das atividades comerciais através da insistência em restrições sobre o funcionamento da economia em prazo superior àquele já determinado, transfere injustamente e de forma arbitrária a responsabilidade pública ao setor privado.

Não é crível que o particular suporte os efeitos do isolamento social assumindo tamanha responsabilidade de tentar resolver questões de gestão pública, sem que isso represente a ruína do sistema financeiro.

Enfim, teremos impactos decorrentes exclusivamente da pandemia e outros possivelmente resultantes das ações desproporcionais e negligentes de um governo desatento aos seus compromisso.

Palaoro Advogados Associados

Chapecó-SC., 04.05.2020.